terça-feira, 29 de julho de 2014

Aparências



Yahia, filho de Iskandar, nos faz o seguinte relato:

“Eu passava minhas noites na casa do Sufi Anwar Ali Jan. Os presentes que lhe davam os visitantes, serviam para comprar a comida que ele oferecia cada noite à seus convidados antes do momento da meditação.

Ele não permitia a ninguém de se aproximar dele; se sentava em um canto, e sua mão ia de sua cuia à boca. Numerosos visitantes observavam: “Este homem é arrogante e carece de humildade, pois se senta separado de seus convidados.”

Cada noite eu me aproximava um pouco mais dele e logo pude ver que, embora ele fizesse todos os gestos de quem levava comida à boca, ele não tinha nada em sua cuia.

Por fim não pude refrear minha curiosidade e lhe disse:

“Qual é a razão de teu estranho comportamento? Porque tu fazes de conta que comes e deixas as pessoas pretenderem que tu és arrogante enquanto que em realidade tu és modesto e frugal e não quer nem perturbar nem lhes causar vergonha, ó tu o mais excelente dos homens?”

Ele respondeu:

- É melhor que eles pensem que eu careço de modéstia, pelas aparências, do que me acharem virtuoso, se fiando somente às aparências. Não há pecado maior que atribuir mérito sobre as aparências. Agir desta forma, é insultar a presença da virtude interior e real, imaginando que ela não existe para ser percebida. Os homens de exterior julgam pelo exterior, mas pelo menos eles não contaminam o interior”.

Do livro "O Buscador da Verdade" de Idries Shah

sábado, 26 de julho de 2014

A parábola da rosa


Certa vez, um homem plantou uma roseira e passou a regá-la constantemente.
Assim que ela soltou seu primeiro botão que em breve desabrocharia, o homem notou espinhos sobre o talo e pensou consigo mesmo: Como pode uma flor tão bela vir de uma planta rodeada de espinhos?
Entristecido com o fato, ele se recusou a regar a roseira e, antes mesmo de estar pronta para desabrochar, a rosa morreu.
Isso acontece com muitos de nós com relação à nossa semeadura.
Plantamos um sonho e, quando surgem as primeiras dificuldades, abandonamos a lavoura.
Fazemos planos de felicidade, desejamos colher flores perfumadas e, quando percebemos os desafios que se apresentam, logo desistimos e o nosso sonho não se realiza.
Os espinhos são exatamente os desafios que se apresentam para que possamos superá-los.
Se encontramos pedras no caminho é para que aprendamos a retirá-las e, dessa forma, nossos músculos se tornem mais fortes.
Não há como chegar ao topo da montanha sem passar pelos obstáculos naturais da caminhada. E o mérito está justamente na superação desses obstáculos.
O que geralmente ocorre é que não prestamos muita atenção na forma de realizar nossos objetivos e, por isso, desistimos com facilidade e até justificamos o fracasso lançando a culpa em alguém ou em alguma coisa.
O importante é que tenhamos sempre em mente que, se desejamos colher flores, temos que preparar o solo, selecionar cuidadosamente as sementes, plantá-las, regá-las sistematicamente e só depois, colher.
Se esperamos colher antes do tempo necessário, então a decepção surgirá.
Se temos um projeto de felicidade, é preciso investir nele. E considerar também a possibilidade de mudanças na estratégia.
Se, por exemplo, desejamos um emprego estável, duradouro e não estamos conseguindo, talvez tenhamos que rever a nossa competência e nossa disposição para aprender.
Não adianta jogar a culpa nos governantes nem na sociedade. É preciso, antes de tudo, fazer uma avaliação das nossas possibilidades pessoais.
Se desejamos uma relação afetiva duradoura, estável, tranquila e não conseguimos, talvez seja preciso analisar ou reavaliar nossa forma de amar.
Quando os espinhos de uma relação aparecem, é hora de pensar numa estratégia diferente, ao invés de culpar homens e mulheres ou a agitação da vida moderna, ou simplesmente deixar a rosa do afeto morrer de sede.
Há pessoas que, como o homem que deixou a roseira morrer, deixam seus sonhos agonizarem por falta de cuidados ou diminuem o seu tamanho. Vão se contentando com pouco, na esperança de sofrer menos.
Mas o ideal é estabelecer um objetivo e investir esforços para concretizá-lo.
Se no percurso aparecer alguns espinhos, é que estamos sendo desafiados a superar, e jamais a desistir.

* * *
Quem deseja aspirar o perfume das rosas, terá que aprender a lidar com os espinhos.
Quem quer trilhar por estradas limpas, terá que se curvar para retirar as pedras e outros obstáculos que surjam pela frente.
Quem pretende saborear a doçura do mel, precisa superar eventuais ferroadas das fabricantes, as abelhas.
Por tudo isso, não deixe que nenhum obstáculo impeça a sua marcha para a conquista de dias melhores.
Redação do Momento Espírita.
Em 11.01.2010.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O vento não leva




No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mário Quintana 

domingo, 20 de julho de 2014

No Justo Momento

Albino Teixeira


No justo momento em que: 
O fracasso lhe atropele o carro da esperança; 
O apoio habitual lhe falte à existência; 
A ventania da advertência lhe açoite o Espírito; 
A aflição se lhe intrometa nos passos;
A tristeza lhe empane os horizontes;
A solidão lhe venha fazer companhia;
 No momento justo, enfim, em que a crise ou a angústia, a sombra ou a tribulação se lhe façam mais difíceis de suportar, não chore e nem esmoreça. 
A água pura a fim de manter-se pura é servida em taça vazia. 
A treva da meia-noite é a ocasião em que o tempo dá sinal de partida para nova alvorada.
Por maior a dificuldade, jamais desanime.
O seu pior momento na vida é sempre o instante de melhorar.

Reverência ao destino


Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras. Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

Desconheço a autoria

sábado, 19 de julho de 2014

Filosofia do Cotidiano


O abandono que não se esquece


 psicóloga clínica 
site: http://somostodosum.ig.com.br/d.asp?i=76
(trecho do artigo)

O sentimento de abandono pode ser gerado pela perda causada pela morte ou separação, principalmente, se havia dependência por aquele que se foi. Também pode ser gerado pela rejeição. 

Quando falo de abandono, não me refiro aos casos em que uma criança é literalmente abandonada por seus pais, a quem se espera ser amada e cuidada, mas aquelas que são abandonadas através da negligência de suas necessidades básicas, da negligência afetiva, da falta de respeito por seus reais sentimentos, do controle excessivo, da manipulação pela culpa, ainda que ocultos, durante a infância. Crianças abandonadas, psicológica ou realmente, entram na vida adulta com uma noção profunda de que o mundo é um lugar perigoso e ameaçador, não confiando em ninguém, porque na verdade não desenvolveu mecanismos para confiar em si mesma.

Sente-se abandonado quem não se sentiu amado e isso pode ser sentido antes mesmo de nascer, ainda no útero materno. Pais que rejeitam seu filho durante a gestação podem deixar muitas sequelas, em nós, adultos. Toda criança fica aterrorizada diante da perspectiva do abandono. Para a criança, o abandono por parte dos pais é equivalente à morte, pois além de se sentir abandonada, ela mesma aprende a se abandonar. E sabemos que nem todos os pais estão preparados para ter um filho, isso acontece nos dias de hoje, imagine muitos anos atrás. 

O abandono está diretamente relacionado com situações de rejeições registradas na infância e que podem se potencializar quando se vivencia outras situações de rejeição, perda e/ou abandono. Podemos sim, reprimir, fugir desses sentimentos, mas raramente conseguimos lidar sem sofrimento diante de qualquer possibilidade de abandono.

O medo da rejeição leva à necessidade insaciável de segurança, aquela que não recebeu dos pais e, como consequência, irá buscar insistentemente o afeto no outro, até que a relação se torna insuportável e termina. A obsessiva solicitação, a desconfiança, o ciúme, acabam sufocando o parceiro que põe fim à situação.

Cada vez que vivencia uma situação de perda e/ou rejeição irá reviver toda a emoção da dor original do abandono. Isso nos explica porque é preciso buscar as causas da dor causada pelo abandono, que em geral foi registrada nos primeiros anos de vida, e ao longo do tempo, vão se somando.

Quem viveu o abandono durante a infância, pode sentir um medo incontrolável de ser deixado, procurando evitar a todo custo ser abandonado novamente. Ou ainda, poderá buscar inconscientemente, ou seja, sem a percepção da causa, parceiros que a abandonam, recriando assim a mesma situação que viveu em sua infância. É o que chamamos de repetição de padrão. 

Muitas vezes ficar só, para quem sofreu abandono em sua história de vida, pode ser uma defesa para evitar o abandono, gerando um conflito constante entre a necessidade de ser cuidado e o medo de ser abandonado, de novo e de novo. Pode ser considerada também uma autopunição, por não se sentir merecedor de ser amado. Afinal, se fosse merecedor de amor não teria sido abandonado.

As pessoas ainda não foram terminadas…


Rubem Alves

O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o sábio conhece tem sabor, é comida, conhecimento corporal. O corpo gosta. A palavra “sapio”, em latim, quer dizer “eu degusto”… O sábio é um cozinheiro que faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria, razões para viver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, não mexe com o corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: “Não tem gosto, mas tem poder”… É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder.


Para o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância. Nele não mora saber algum; é um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus poemas. Roland Barthes, já velho, confessou que abandonara os saberes faláveis e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis.

Outra diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte: “Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada”. O cientista soma. O sábio subtrai.

Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era sábio. Vejam só o que ele disse: “O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mun­do é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando…”

É só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem mudando no tempo.

Eu mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra lascada e da madeira – monjolo, pi­lão, lamparina – até o mundo dos computadores e da internet.

Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros, aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber para viver.

Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar, o Criador cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses mundos a que se dá o nome de cultura.

Pra isso existem os educadores: para cumprir o dito do Riobaldo… Uma escola é um caldeirão de bruxas que o educador vai mexendo para “desigualizar” as pessoas e fazer outros mundos nascerem…

terça-feira, 15 de julho de 2014

Os animais e a peste


Monteiro Lobato

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

- Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

- Qual? – perguntou o leão.

- O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o sacrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da História:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.

sábado, 12 de julho de 2014

Brandos e Pacíficos

Autor: Amélia Rodrigues
Psicografia de Divaldo Franco

A azáfama do dia cedera lugar a terna e suave tranqüilidade. As atividades fatigantes alongaram-se até as primeiras horas da noite, que se recamara de astros alvinitentes. Os últimos corações atendidos, à margem do lago, após a formosa pregação do entardecer, demandaram os seus sítios facultando que eles, a seu turno, volvessem à casa de Simão.

Depois do repasto simples, o Mestre acercou-se da praia em companhia do apóstolo afeiçoado e, porque o percebesse tristonho, interrogou com amabilidade:

- Que aflição tisna a serenidade da tua face, Simão, encobrindo-a com o véu de singular tristeza?

Havia na indagação carinhoso interesse e bondade indisfarçável.

Convidado diretamente à conversação renovadora, o velho pescador contestou com expressiva entonação de voz, na qual se destacava a modulação da amargura:

- Cansaço, Senhor. Sinto-me muitas vezes descoroçoado, no ministério abraçado... Não fosse por ti...

Não conseguiu concluir a frase. As lágrimas represadas irromperam afogando o trabalhador devotado em penosa agonia. E como o silêncio se fizesse espontâneo, ante o oscular da noite que os acalentava em festival de esperança, o companheiro, sentindo-se compreendido e, passado o volume inicial da emotividade descontrolada, prosseguiu:

- Não ignoro a própria inferioridade e sei que teu amor me convocou à boa nova a fim de que me renovasse para a luz e pudesse crescer na direção do amor de nosso Pai. Todavia, deparo-me a cada instante com dificuldades que me dilaceram os sentimentos, inquietando-me a alma.

Ante o olhar dúlcido e interrogativo do Amigo discreto adiu:

- É verdade que devemos perdoar todas as ofensas, no entanto, como suportar a agressividade que nos fere, quando pretende admoestar e que humilha, quando promete ajudar?

- Guardando a paz do coração - redarguiu o divino Benfeitor.

- Todavia - revidou o discípulo sensibilizado -, como conservar a paz, estando sitiado pela hipocrisia de uns, pela suspeita pertinaz de outros, sob o olhar severo das pessoas que sabemos em pior situação do que a nossa?

- Mantendo a brandura no julgamento - respondeu o Senhor.

- Concordo que a mansuetude é medicamento eficaz - redargüiu Pedro -, não obstante, não seria de esperarmos que os companheiros afeiçoados à luz nova também a exercitassem por sua vez? Quando a dúvida sobre nossas atitudes parte de estranhos, quando a suspeição vem de fora da grei, quando a agressividade nos chega dos inimigos da fé, podemos manter a brandura e a paz íntimas. Entrementes, sofrer as dificuldades apresentadas por aqueles que nos dizem amar, tomando parte no banquete do Evangelho, convém consideremos ser muito mais difícil e grave o cometimento...

Percebendo a angústia que se apossara do servo querido, o Mestre, paciente e judicioso, explicou:

- Antes de esperarmos atitudes salutares do próximo, cabe-nos o dever de oferecê-las. Porque alguém seja enfermo pertinaz e recalcitrante no erro, impedindo que a luz renovadora do bem o penetre e sare, não nos podemos permitir o seu contágio danoso, nem nos é lícito cercear-lhe a oportunidade de buscar a saúde. Certamente, dói-nos mais a impiedade de julgamento que parte do amigo e fere mais a descortesia de quem nos é conhecido. Ignoramos, porém, o seu grau de padecimento interior e a sua situação tormentosa. Nem todos os que nos abraçam fazem-no por amor, bem o sabemos... Há os que, incapazes de amar, duvidam do amor do próximo; os que mantendo vida e atitudes dúbias descreem da retidão alheia; os que tropeçando e tombando descuram de melhorar a estrada para os que vêm atrás... Necessário compreendê-los todos e amá-los, sem exigir que sejam melhores ou piores, convivendo sob o bombardeio do azedume deles sem nos tornar-nos displicentes para com os nossos deveres ou amargos em relação aos outros...

- Ante a impossibilidade de suportá-los -sindicou o pescador com sinceridade -, sem correr o perigo de os detestar, não seria melhor que os evitássemos, distanciando-nos deles?

- Não, Simão - esclareceu Jesus. - Deixar o enfermo entregue a si mesmo será condená-lo à morte; abandonar o revel significa torná-lo pior... Antes de outra atitude é necessário que nos pacifiquemos intimamente, a fim de que a brandura se exteriorize do nosso coração em forma de bênção.

“Na legislação da montanha foi estabelecido que são bem-aventurados os brandos e pacíficos...

“A bem-aventurança é o galardão maior. Para consegui-lo é indispensável o sacrifício, a renúncia, a vitória sobre o amor-próprio, o triunfo sobre as paixões.

“Amar aos bons é dever de retribuição, mas servir e amar aos que nos menosprezam e de nós duvidam é caridade para eles e felicidade para nós próprios.”

Como o céu continuasse em cintilações incomparáveis e o canto do mar embalasse a noite em triunfo, o Mestre silenciou como a aspirar as blandícias da Natureza.

O discípulo, desanuviado e confiante, com os olhos em fulgurações, pensando nos júbilos futuros do Evangelho, repetiu quase num monólogo, recordando o Sermão da Montanha:

“Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.”

E deixou-se penetrar pela tranqüilidade, em clima de elevadas reflexões.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Caixa mágica



"Eu carrego comigo uma caixa mágica onde eu guardo meus tesouros mais bonitos. 
Tudo aquilo que eu aprendi com a vida, tudo o que eu ganhei com o tempo e que vento nenhum leva.
 (…) O pouco é muito pra mim.
 O simples é tudo que cabe nos meus dias.
 Eu vivo de muitas saudades. 
E quem se arrebenta de tanto existir, vive pra esbanjar sorrisos e flashes de eternidade.” 
 
Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O autoconhecimento e a concepção das vidas sucessivas





Leon Denis

Em certas horas, um mundo inteiro obscuro, confuso, misterioso, acorda e vibra em nós, um mundo cujos murmúrios, cujos rumores nos comovem e nos inebriam. É a voz do passado. No transe do sonambulismo é ela que nos fala e nos conta as vicissitudes da nossa pobre alma, errante através do mundo; diz-nos que o nosso “eu” atual é feito de numerosas personalidades, que nele se vão juntar como os afluentes num rio; que o nosso princípio de vida animou muitas formas, cuja poeira repousa entre os destroços dos impérios, sob os restos das civilizações extintas. Todas essas existências deixaram, no mais profundo de nós mesmos, vestígios, lembranças, impressões indeléveis.
O homem que se estuda e observa, sente que tem vivido e que há de viver; herda de si mesmo, colhendo no presente o que semeou no passado e semeando para o futuro.

Assim se afirmam a beleza e a grandeza da concepção das vidas sucessivas, que vêm completar a lei de evolução entrevista pela Ciência. Exercendo sua ação simultaneamente em todos os domínios, ela distribui a cada um segundo suas obras e mostra-nos, acima de tudo, essa majestosa lei do progresso, que rege o universo e dirige a vida para estados cada vez mais belos, cada vez melhores.

E escreveu Fernando Pessoa:

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é."

É a descrição do nosso processo de crescimento em lindos versos mostrando a complexidade do nosso ser. E continua o poeta:

"Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu."

terça-feira, 8 de julho de 2014

MÚSICA DO FILME PÁSSAROS FERIDOS (para acalmar as emoções do jogo Brasil x Alemanha)


Nada sabemos da alma

 
Fernando Pessoa

É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A alma imperecível paira na duração eterna (lindo!!!!)


 

Leon Denis
Trecho do livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor
Editora FEB


A Natureza renova continuamente esses exércitos de combatentes. Na sua prodigiosa fecundidade, gera novos seres; mas logo a morte ceifa em suas fileiras cerradas. Essa luta, horrenda à primeira vista, é necessária para o desenvolvimento do princípio de vida, dura até o dia em que um raio de inteligência vem iluminar as consciências adormecidas. É na luta que a vontade se apura e afirma; é da dor que nasce a sensibilidade.

A evolução material, a destruição dos organismos é temporária; representa a fase primária da epopéia da vida. As realidades imperecíveis estão no Espírito; só ele sobrevive a esses conflitos. Todos esses invólucros efêmeros não são mais do que vestuários que vêm ajustar-se à sua forma fluídica permanente. Cobre-os com vestuários para representar os numerosos atos do drama da evolução no vasto palco do universo.

Emergir grau a grau do abismo da vida para tornar-se Espírito, gênio superior, e isto por seus próprios méritos e esforços, conquistar o futuro hora a hora, ir-se libertando dia a dia um pouco mais da ganga das paixões, libertar-se das sugestões do egoísmo, da preguiça, do desânimo, resgatar-se pouco a pouco das suas fraquezas, da sua ignorância, ajudando os seus semelhantes a se resgatarem por sua vez, arrastando todo o meio humano para um estado superior, tal é o papel distribuído a cada alma. Para desempenhá-lo, tem ela à sua disposição toda a série de existências inumeráveis na escala magnífica dos mundos.

Tudo o que vem da matéria é instável; tudo passa, tudo foge. Os montes se vão pouco a pouco abatendo sob a ação dos elementos; as maiores cidades convertem-se em ruínas, os astros acendem-se, resplandecem, depois apagam-se e morrem; só a alma imperecível paira na duração eterna.

O círculo das coisas terrestres aperta-nos e limita as nossas percepções; mas quando o pensamento se separa das formas mutáveis e abarca a extensão dos tempos, vê o passado e o futuro se juntarem, fremirem e viverem o presente. O canto de glória, o hino da vida infinita enche os espaços, sobe do âmago das ruínas e dos túmulos. Sobre os destroços das civilizações extintas rebentam florescências novas. Efetua-se a união entre as duas humanidades, visível e invisível, entre aqueles que povoam a Terra e os que percorrem o espaço. As suas vozes chamam, respondem umas às outras, e esses rumores, esses murmúrios, vagos e confusos ainda para muitos, tornam-se para nós a mensagem, a palavra vibrante que afirma a comunhão de amor universal.

domingo, 6 de julho de 2014

Atrás da faixa amarela



Martha Medeiros

Mantenha-se atrás da faixa amarela, 
não chegue muito perto, 
não acerque-se de meus traumas, 
não invada meus mistérios, 
não atrite-se com o meu passado, 
não tente entender nada:
 é proibido tocar no sagrado de cada um.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

As quatro leis da espiritualidade ensinadas na Índia


A primeira diz: “A pessoa que vem é a pessoa certa“.
Ninguém entra em nossas vidas por acaso. Todas as pessoas ao nosso redor, interagindo com a gente, têm algo para nos fazer aprender e avançar em cada situação.

A segunda lei diz:Aconteceu a única coisa que poderia ter acontecido“.
Nada, absolutamente nada do que acontece em nossas vidas poderia ter sido de outra forma. Mesmo o menor detalhe. Não há nenhum “se eu tivesse feito tal coisa…” ou “aconteceu que um outro…”. Não. O que aconteceu foi tudo o que poderia ter acontecido, e foi para aprendermos a lição e seguirmos em frente. Todas e cada uma das situações que acontecem em nossas vidas são perfeitas.

A terceira diz: “Toda vez que você iniciar é o momento certo“.

Tudo começa na hora certa, nem antes nem depois. Quando estamos prontos para iniciar algo novo em nossas vidas, é que as coisas acontecem.

E a quarta e última afirma: “Quando algo termina, ele termina“.
Estamos nessa vida para viver inúmeras experiências, e se continuarmos sempre voltando as mesmas páginas deixaremos de ler outros livros maravilhosos que só estão aguardando por uma chance para entrar em nossas vidas. Por isso vire a última página sem dor no coração e pegue o próximo livro.
Surpresas maravilhosas estarão te esperando, basta você abrir o livro e começar a ler esse novo capitulo da sua vida.
 
desconheço a autoria
 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Decepções


Você já teve alguma decepção na vida?

Dificilmente alguém passa pela existência sem sofrer uma desilusão, ou ter alguma surpresa desagradável em algum momento da caminhada.

Podemos dizer que o sabor de uma decepção é amargo e traz consigo um punhal invisível que dilacera as fibras mais sutis da alma.

Isso acontece porque nós só nos decepcionamos com as pessoas em quem investimos nossos mais puros sentimentos de confiança e amor.
Pode ser um amigo, a quem entregamos o coração e que, de um momento para outro, passa a ter um comportamento diferente, duvidando da nossa sinceridade, do nosso afeto, da nossa dedicação, da nossa lealdade...

Também pode ser a alma que elegemos para compartilhar conosco a vida, e que um dia chega e nos diz que o amor acabou, que já não fazemos mais parte da sua história... que outra pessoa agora ocupa o nosso lugar.

Ou alguém que escolhemos como modelo digno de ser seguido e que vemos escorregando nas valas da mentira ou da traição, desdita que nos infelicita e nos arranca lágrimas quentes e doloridas, como chama que queima sem consumir.

Enfim, só os nossos amores são capazes de nos ferir com a espada da decepção, pois os estranhos não têm esse trágico poder, já que seus atos não nos causam nenhuma impressão.

Assim, vale a pena algumas reflexões a esse respeito para que não nos deixemos atingir pela cruel espada da desilusão.

Para tanto, podemos começar levando em conta que, assim como nós, nossos amores também não são perfeitos.

E que, geralmente, não nos prometem santidade ou eterna fidelidade. Nunca nos disseram que seriam eternamente a mesma pessoa e que jamais nos causariam decepções.

Nós é que queremos que sejam como os idealizamos.

Assim nos iludimos. Mas só se desilude quem está iludido.

Importante que pensemos bem a esse respeito, imunizando a nossa alma com o antídoto eficaz do entendimento.

Importante que usemos sempre o escudo do perdão para impedir que os atos infelizes dos outros nos causem tanto sofrimento.

Importante, ainda, que façamos uso dos óculos da lucidez, que nos permitem ver os fatos em sua real dimensão e importância, evitando dores exageradas.

A ilusão é como uma névoa que nos embaraça a visão, distorcendo as imagens e os fatos que estão à nossa frente.

E a decepção nada mais é do que perceber que se estava iludido, enganado sobre algo ou alguém.

Assim, se você está amargando a dor de uma desilusão, agradeça a Deus por ter retirado dos seus olhos os empecilhos que lhe toldavam a visão.

Passe a gostar das pessoas como elas são e não como você gostaria que elas fossem.

Considere que você também já deve ter ferido alguém com o punhal da decepção, mesmo não tendo a intenção, e talvez sem se dar conta disso.

Por todas essas razões, pense um pouco mais e espante essa tristeza do olhar... Enxugue as lágrimas e siga em frente... sem ilusões.
* * *
Aprenda a valorizar nas pessoas suas marcas positivas.
Lembre-se de que cada um dá o que tem, o que pode oferecer.
Uns oferecem o ácido da traição, o engodo da hipocrisia, o fel da ingratidão, pois é o que alimentam na alma.
Mas, seja você a cultivar em seu jardim interior as flores da lealdade, do afeto, da compreensão, da honestidade, para ofertar a todos aqueles que cruzarem o seu caminho.
Seja você alguém incapaz de ferir ou provocar sofrimentos nos seres que caminham ao seu lado.

Redação do Momento Espírita.
Disponível no CD Momento Espírita, Coletânea v. 8/9 e no livro Momento Espírita,
v. 3 ed. Fep.
Em 13.06.2011.