quarta-feira, 9 de julho de 2014

O autoconhecimento e a concepção das vidas sucessivas





Leon Denis

Em certas horas, um mundo inteiro obscuro, confuso, misterioso, acorda e vibra em nós, um mundo cujos murmúrios, cujos rumores nos comovem e nos inebriam. É a voz do passado. No transe do sonambulismo é ela que nos fala e nos conta as vicissitudes da nossa pobre alma, errante através do mundo; diz-nos que o nosso “eu” atual é feito de numerosas personalidades, que nele se vão juntar como os afluentes num rio; que o nosso princípio de vida animou muitas formas, cuja poeira repousa entre os destroços dos impérios, sob os restos das civilizações extintas. Todas essas existências deixaram, no mais profundo de nós mesmos, vestígios, lembranças, impressões indeléveis.
O homem que se estuda e observa, sente que tem vivido e que há de viver; herda de si mesmo, colhendo no presente o que semeou no passado e semeando para o futuro.

Assim se afirmam a beleza e a grandeza da concepção das vidas sucessivas, que vêm completar a lei de evolução entrevista pela Ciência. Exercendo sua ação simultaneamente em todos os domínios, ela distribui a cada um segundo suas obras e mostra-nos, acima de tudo, essa majestosa lei do progresso, que rege o universo e dirige a vida para estados cada vez mais belos, cada vez melhores.

E escreveu Fernando Pessoa:

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é."

É a descrição do nosso processo de crescimento em lindos versos mostrando a complexidade do nosso ser. E continua o poeta:

"Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu."

Nenhum comentário:

Postar um comentário