sábado, 26 de setembro de 2015

A galinha afetuosa


 Neio Lúcio

Gentil galinha, cheia de instintos maternais, encontrou um ovo de regular tamanho e espalmou as asas sobre ele, aquecendo-o carinhosamente. De quando em quando, beijava-o, enternecida. Se saia a buscar alimento, voltava apressada, para que lhe não faltasse calor vitalizante. E pensava, garbosa: — “Será meu pintainho! será meu filho!”

Em formosa manhã de céu claro, notou que o filhotinho nascia, robusto.

Criou-o, com todos os cuidados. No entanto, em dourado crepúsculo de verão, viu-o fugir pelas águas de um lago, sobre as quais deslizava contente. Chamou-o, como louca, mas não obteve resposta. O bichinho era um pato arisco e fujão.

A galinha, desalentada por haver chocado um ovo que lhe não pertencia à família, voltou muito triste, ao velho poleiro; todavia, decorrido algum tempo e encontrando outro ovo, repetiu a experiência.

Nova criaturinha frágil veio à luz. Protegeu-a, com ternura, dedicou-se ao filho com todas as forças, mas, em breve, reparou que não era um pintainho qual fora, ela mesma, na infância. Tratava-se dum corvo esperto que a deixou em doloroso abatimento, voando a pleno céu, para juntar-se aos escuros bandos de aves iguais a ele.

A desventurada mãe sofreu muitíssimo. Entretanto, embora resolvida a viver só. foi surpreendida, certo dia, por outro ovo, de delicada feição. Recapitulou as esperanças maternas e chocou-o. Dentro em pouco, o filhote surgia. A galinha afagou-o, feliz, mas, com o transcurso de algumas semanas, observou que o filho já crescido perseguia ratos à sombra. Durante o dia, dava mostras de perturbado e cego; no entanto, em se fazendo a treva, exibia olhos coruscantes que a amedrontavam. Em noite mais escura, fugiu para uma torre muito alta e não mais voltou. Era uma coruja nova, sedenta de aventuras.

A abnegada mãe chorou amargamente. Porém, encontrando outro ovo, buscou ampará-lo. Aninhou-se, aqueceu-o e, findos trinta dias, veio à luz corpulento filhote. A galinha ajudou-o como pôde, mas, em breve, o filho revelou crescimento descomunal. Passou a mirá-la de alto a baixo. Fez-se superior e desconheceu-a. Era um pavãozinho orgulhoso que chegou mesmo a maltratá-la.

A carinhosa ave, dessa vez, desesperou em definitivo. Saiu do galinheiro gritando e dispunha-se a cair nas águas de rio próximo, em sinal de protesto contra o destino, quando grande galinha mais velha a abordou, curiosa, a indagar dos motivos que a segregavam em tamanha dor.

A mísera respondeu, historiando o próprio caso.

A irmã experiente estampou no olhar linda expressão de complacência e considerou, cacarejando:

— Que é isto, amiga? não desespere. A obra do mundo é de Deus, nosso Pai. Há ovos de gansos, perus, marrecos, andorinhas e até de sapos e serpentes, tanto quanto existem nossos próprios ovos. Continue chocando e ajudando em nome do Poder Criador; entretanto, não se prenda aos resultados do serviço que pertencem a Ele e não a nós, mesmo porque a escada para o Céu é infinita e os degraus são diferentes. Não podemos obrigar os outros a serem iguais a nós, mas é possível auxiliar a todos, de acordo com as nossas possibilidades. Entendeu?

A galinha sofredora aceitou o argumento, resignou-se e voltou, mais calma, ao grande parque avícola a que se filiava.

O caminho humano estende-se, repleto de dramas iguais a este. Temos filhos, irmãos e parentes diversos que de modo algum se afinam com as nossas tendências e sentimentos. Trazem consigo inibições e particularidades de outras vidas que não podemos eliminar de pronto. Estimaríamos que nos dessem compreensão e carinho, mas permanecem ixnantados a outras pessoas e situações, com as quais assumiram inadiáveis compromissos. De outras vezes, respiram noutros climas evolutivos.

Não nos aflijamos, porém.

A cada criatura pertence a claridade ou a sombra, a alegria ou a tristeza do degrau em que se colocou.

Amemos sem o egoísmo da posse e sem qualquer propósito de recompensa, convencidos de que Deus fará o resto.

Livro: Alvorada Cristã
Médium: Francisco Cândido Xavier
Ditado pelo Espírito: Neio Lúcio

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Orfeu rebelde


Miguel Torga
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que ha' gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

sábado, 19 de setembro de 2015

Sou seu sabiá


Caetano Veloso

Se o mundo for desabar sobre a sua cama
E o medo se aconchegar sob o seu lençol
E se você sem dormir
Tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
Ela chega aí

Você pode estar tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir
E coração de escutar
Eu nunca me canso do uníssono com a vida

Eu sou
Sou seu sabiá
Não importa onde for
Vou te catar
Te vou cantar
Te vou, te vou, te vou, te dar

Eu sou
Sou seu sabiá
O que eu tenho eu te dou
Que tenho a dar?
Só tenho a voz
Cantar, cantar, cantar, cantar

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Dentro de um abraço


por Martha Medeiros

Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.

Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.

E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?

Meu palpite: dentro de um abraço.

Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incer-ta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.

O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.

Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beiramar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?

Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

RUBEM ALVES - A MENINA E O PÁSSARO ENCANTADO

Rubem Alves


"A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe.Fósforo que foi riscado.Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte."
                                                                                       Rubem Alves

Hoje é aniversário de nascimento de Rubem Alves. Espero que onde ele se encontrar seja presenteado com a boa nova da reencarnação que ele não acreditava em vida.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Lei e vida

Emmanuel

"Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, vim para cumprir”
JESUS. (Mateus, 5:17.).

"Não matarás", diz a lei.
O texto não se refere, porém, unicamente, à vida dos semelhantes.
Não frustrarás a tarefa dos outros, porque a suponhas inadequada, de vez que toda tarefa promove quem a executa, sempre que nobremente cumprida.
Não dilapidarás a esperança de ninguém, porquanto a felicidade, no fundo, não é a mesma na experiência de cada um.
Não destruirás a coragem daqueles que sonham ou trabalham em teu caminho, considerando que, de criatura para criatura, difere a face do êxito.
Não aniquilarás com inutilidades o tempo de teus irmãos, porque toda hora é agente sagrado nos valores da Criação.
Não extinguirás a afeição na alma alheia, porquanto ignoramos, todos nós, com que instrumento de amor a Sabedoria Divina pretende mover os corações que nos partilham a marcha.
Não exterminarás a fé no espírito dos companheiros que renteiam contigo, observando-se que as estradas para Deus obedecem a estruturas e direções que variam ao infinito.
Reflitamos no bem do próximo, respeitando-lhe a forma e a vida. A lei não traça especificações ou condições dentro do assunto; preceitua, simplesmente: "não matarás".

Francisco Cândido Xavier - Livro Ceifa de Luz - Pelo Espírito Emmanuel

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Não vai mesmo...


"Ninguém merece as tuas lágrimas, mas quem quer que as mereça não te vai fazer chorar". 
                                                              (Gabriel Garcia Márquez)