domingo, 30 de setembro de 2018

Não te rendas


Mario Benedetti

Não te rendas, ainda estás a tempo
de alcançar e começar de novo,
aceitar as tuas sombras
enterrar os teus medos,
largar o lastro,
retomar o voo.

Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos,
destravar os tempos,
arrumar os escombros,
e destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento:
ainda há fogo na tua alma
ainda existe vida nos teus sonhos.

Porque a vida é tua, e teu é também o desejo,
porque o quiseste e eu te amo,
porque existe o vinho e o amor,
porque não existem feridas que o tempo não cure.

Abrir as portas,
tirar os ferrolhos,
abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos,
abrir as asas
e tentar de novo
celebrar a vida e relançar-se no infinito.

Não te rendas, por favor, não cedas:
mesmo que o frio queime,
mesmo que o medo morda,
mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo na tua alma,
ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque cada dia é um novo início,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, por eu te amo.

Fonte da imagem: https://www.google.com.br/search?q=n%C3%A3o+te+rendas&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjzn77wgOTdAhUPl5AKHYkABioQ_AUICygC&biw=1692&bih=762#imgrc=SPm7QIcyj4n6AM:

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A falta que me fazes

"Há muito tempo, sim, não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias. Eu mesmo envelheci. Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são golpes, são espinhos, são lembranças da vida a teu caminho, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças. A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias: "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho. É quando, ao despertar, revejo a um canto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho."

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 21 de agosto de 2018

O Menino Das Meias Vermelhas

Resultado de imagem para meias vermelhas

Todos os dias, ele ia para o colégio com meias vermelhas. 

Era um garoto triste, procurava estudar muito, mas na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa. Os outros guris zombavam dele, implicavam com as meias vermelhas que ele usava. 

Um dia, perguntaram porque o menino das meias vermelhas só usava meias vermelhas. 

Ele contou com simplicidade: 

- "No ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo. Botou em mim essas meias vermelhas. Eu reclamei, comecei a chorar, disse que todo mundo ia zombar de mim por causa das meias vermelhas. Mas ela disse que se me perdesse, bastaria olhar para o chão e quando visse um menino de meias vermelhas saberia que o filho era dela". 

Os garotos retrucaram: 

- "Você não está num circo! Porque não tira essas meias vermelhas e joga fora?" 

Mas o menino das meias vermelhas explicou: 

- "É que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora. Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas. Quando ela passar por mim vai me encontrar e me levará com ela".

Carlos Heitor Cony, 1926/2018

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
Florbela Espanca

terça-feira, 14 de agosto de 2018

A condição humana


Andre Malraux

China, Março de 1927. Um homem corroído pela amargura. Um país sacudido por uma insurreição. Atrás de fachadas insuspeitas de cidades sufocadas por riquixás, automóveis e bondes, fumaça de carvão, excrementos e suores de brancos e amarelos, homens planejam uma revolução, muitos divididos entre a culpa e a ideologia. Publicado em 1933, este livro de André Malraux é um relato dos acontecimentos que deram início à Revolução Chinesa.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Vontade de ficar...

Durante a nossa vida:
Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que,
Vem, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vem e se vão com uma enorme vontade de ficar...


Charles Chaplin

INESQUECÍVEL!

Classificamos o tempo em passado, presente e futuro. Quando não podemos classificá-lo, o chamamos de tempo de Deus. O passado é a saudade, o futuro a esperança, mas quando nos deparamos com o presente, o tempo do coração, temos dificuldade de identificarmos os sentimentos,  pois buscamos na saudade um fio de esperança que nos leve, novamente,  a todos os momentos felizes que já vivemos. É nesse tempo, o presente, que aprendemos que o tempo do amor não se classifica, porque ele jamais passa. Ele está sempre vivo na caminhada cada um ao longo de toda vida.






 

AMORES ETERNOS


Quando todas as estações estiverem completas


Um homem tinha quatro filhos. Ele queria que eles aprendessem a não julgar a vida, as pessoas e as coisas de modo apressado.

Por isso, mandou cada um viajar para observar uma pereira, que estava plantada em um local distante.

O primeiro filho foi no inverno, o segundo na primavera, o terceiro no verão e o quarto e mais jovem, no outono.

Quando eles retornaram, o pai os reuniu e pediu que cada um descrevesse o que tinha visto.

O primeiro filho disse que a árvore era feia, torta e retorcida.

O segundo disse que ela era coberta de botões verdes e cheia de promessas.

O terceiro discordou dos dois. Disse que ela estava coberta de flores, que tinham um odor tão doce e eram tão bonitas, que ele arriscaria dizer que era a coisa mais graciosa que havia visto.

Por fim, o último filho não concordou com os irmãos. Ele disse que a árvore estava carregada e arqueada, cheia de frutas, vida e promessas.

O pai, então, explicou que todos estavam certos, porque cada um tinha visto apenas uma estação da vida da árvore.

Falou que não se pode julgar uma árvore, ou uma pessoa, ou qualquer coisa, por apenas uma estação.

Disse que a essência de uma pessoa, e o prazer, a alegria e o amor que vêm daquela vida, podem apenas ser medidos no final, quando todas as estações estiverem completas.

Se desistirmos quando for inverno, perderemos a promessa da primavera, a beleza do verão e a expectativa do outono.

Podemos estar vivendo um inverno intenso neste instante. Parece não haver previsão de término. Por vivê-lo por tão longo tempo, quem sabe tenhamos esquecido de como é uma outra estação diferente dessa.

Importante, no entanto, lembrar que se trata de uma estação.

Não julguemos a vida ou a nós mesmos apenas por esse instante mais gelado e difícil. Lembremos que o inverno nos faz mais fortes, mais resistentes. A estação do frio é convite ao recolhimento e à reflexão.

A primavera parece distante ou mesmo improvável, mas ela é lei da natureza. Virá de qualquer forma.

Por isso, não desistamos de nós, não desistamos de prosseguir, olhando apenas a chuva fria e o dia cinza. Estamos vendo apenas parte e não o todo.

Mais tarde, quando todas as estações estiverem completas, perceberemos o quão importantes foram aqueles dias congelantes e o quão foram prazerosos os primeiros instantes da primavera que os seguiu.

* * *

Vivemos no mundo das estações e dos ciclos. Os invernos ainda vão e voltam, assim com os dias quentes de verão.

Saibamos viver as estações com maturidade, extraindo de cada uma seu valor, suas lições e suas belezas.

Haverá dia em que iremos encontrar beleza até na mais vigorosa estação invernal, pois enxergaremos além das temperaturas baixas e dos incômodos que ela traz.

Encontraremos a vida a pulsar debaixo da neve, debaixo da dor, debaixo das expiações que nos libertam das amarras da consciência culpada.

Não permitamos, assim, que a dor de uma estação destrua a alegria de todas as outras. Não julguemos a vida apenas por uma estação difícil.

Redação do Momento Espírita.
Em 23.7.2018
Fonte da imagem: https://andreabertoncel.com/tag/estacoes-do-ano/

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Um bom conselho

"Dou-lhe um conselho, filho.
Nunca diga que uma mulher foi sua.
Essas são coisas para nós mulheres dizermos.
Só nós sabemos de quem somos.
E nunca somos de ninguém."

Mia Couto

domingo, 4 de março de 2018

QUEM É O OBSESSOR?

   
      
      Muitas pessoas religiosas acreditam em espíritos malignos, demônios e obsessores.
      Essas seriam entidades espirituais que podem nos prejudicar e sugar nossas energias.
      No entanto, muitas vezes nós mesmos somos os obsessores das outras pessoas.
      Somos os obsessores quando desejamos fazer prevalecer nossas idéias e impor nossas verdades a outrem.
      Somos os obsessores quando criticamos, julgamos o condenamos o outro sem pleno conhecimento de causa.
      Somos os obsessores quando temos ciúme e queremos obter a posse do outro.
      Somos os obsessores quando batemos o pé e forçamos o outro a seguir a nossa vontade.
      Somos os obsessores quando exigimos que o outro faça por nós algo que nos cabe fazer.
      Somos os obsessores quando desejamos vencer uma discussão, instituir nossas verdades e firmar nosso ponto de vista.
      Somos os obsessores quando burlamos o livre arbítrio alheio e o fazemos trilhar o caminho que nós julgamos correto.
      Somos os obsessores quando tentamos ajudar sem nos preocupar no que é melhor para o outro, mas sim seguindo apenas o que nós acreditamos ser o melhor.
      Somos os obsessores quando desejamos comprar o afeto das pessoas com presentes, regalias, benesses e mimos, esperando sempre algo em troca.
      Somos os obsessores quando não permitimos que o outro cresça, se desenvolva, para não se tornar melhor do que nós.
      Somos os obsessores quando fazemos tudo pelo outro e não permitimos que ele faça, erre e aprenda sozinho.
      Somos os obsessores quando vomitamos um longo falatório desordenado e fútil acreditando que o outro tem obrigação de nos ouvir.
      Somos os obsessores quando não damos espaço para o outro, o prendemos, o sufocamos, podamos seus movimentos, cobramos, oprimimos, sem permitir sua independência.
      Somos os obsessores quando acreditamos que o outro deve corresponder aos nossos padrões, nossos modelos, nossa religião, nossos costumes, nossas crenças e nosso ideal de ser.
      Somos os obsessores quando geramos milhares de conflitos, discórdias e desunião, quando criamos confusão, intrigas, fofocas e distorcemos a realidade para prejudicar o outro.
      Somos os obsessores quando dissemos uma coisa ao outro e fazemos outra, enganando, omitindo e dissimulando.
      Somos os obsessores quando vivemos reclamando e acreditamos que o outro tem obrigação de aguentar nossas lamúrias.
      Somos os obsessores quando elogiamos para manipular, louvamos para enganar, enchemos o ego do outro para confundi-lo a fazer o que queremos.
      Somos os obsessores quando fazemos do outro a nossa vida e depois ficamos magoados quando ele se afasta deixando um buraco em nosso peito, um vazio existencial e uma profunda infelicidade.
      Procure a vida em ti mesmo. Não seja mais um obsessor do outro.
      Não dependa de ninguém para ser feliz. Não fique sugando as pessoas.
      Não acredite que o obsessor é sempre o outro…
      Há sempre algo de obsessor em nós mesmos.

(Desconheço a autoria. Recebi de um amigo.)
Imagem retirada do https://www.visualflood.com/post/christina-nguyen