quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Velha História


Mário Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos Elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no "17"! - o homem, grave de preto, com uma das mãos segurando a xícara do fumegante café, com a outra lendo jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico tomava laranjada por um canudinho especial...

Ora,um dia o homem e o peixinho passeavam na margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho:

"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste..."

Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n'água. E a água fez um redemoinho, que foi serenando, serenando...até que o peixinho morreu afogado...
Do livro Poesia Completa
***
 Acho que me identifiquei com o peixinho azul. Ele retrata muito bem nossas relações afetivas. Quando nos envolvemos afetivamente, seja em que tipo de relação for, deixamos nosso "habitat natural", que está aqui representado pela nossa natureza livre, espontânea, alegre e ingênua de ser e procuramos nos adequar ao outro ou aos outros aprendendo costumes que não fazem parte da nossa natureza até que um dia já nem lembramos mais quem somos. Perdemos o jeito de ser livre, perdemos nossa espontaneidade, perdemos nosso jeito relaxado de gargalhar, perdemos o jeito de deixar essa criança que temos em nós expressar ingenuamente seu prazer. Como o peixinho azul vamos fazendo tudo como socialmente deve ser feito. Mas se um dia conseguimos nos livrar disso tudo... Como voltar ao nosso "habitat natural" se já estamos tão condicionados, tensos, formais, presos em tantas armadilhas afetivas? Será que ainda lembramos quem eramos antes dos outros ou vamos morrer como o peixinho azul?

Um comentário:

  1. Caro blogueiro, o professor contou essa história hoje em sala. Não exatamente assim (acho que tirou uma licença poética para fazer a adaptação ao tema que discutíamos). Pois bem, todos perguntaram - Mas e a moral da história? - E ele acabou nos deixando com a pulga atrás da orelha e não disse mais nada. Preferiu que imaginássemos a nossa própria. Gostei da sua! Um abraço! Seu blog é muito legal! Muito sucesso pra vc!

    ResponderExcluir