Trecho do livro
A filha da Herege de Kathleen Kent
“Eu
saíra muitas vezes com minha mãe para apanhar cogumelos: caçar morchella em
maio, nos pomares de maçã silvestre, colher cogumelos gigantes que cresciam em
pilhas nos troncos de olmos e freixos, nos meses quentes de verão, e catar
bufas-de-lobo nas margens do rio Skug. Mas colher cogumelos era uma tarefa
ardilosa. Era preciso saber a diferença entre os saudáveis e os nocivos.
Algumas dessas diferenças eram bem pequenas. Um descuido de nada e a morte
podia chegar, escondida sob uma coroa leitosa ou uma brânquia arroxeada.
-
Sabe o que é isto? – perguntou minha mãe, tirando o chapéu para deixar o cabelo
preto solto ao vento.
-
Um cogumelo do campo – respondi, tentando parecer o mais desinteressada
possível.
-
Tem certeza? – insistiu, ao que assenti com a cabeça e tornei a cruzar os
braços.
Soltei
um suspiro curto e impaciente. Os cogumelos do campo podiam ser comidos assim
que tirados do chão. Tinham um forte sabor almiscarado e a carne densa.
Podia-se cozinhar mais ou menos uma dúzia deles num caldo de gordura defumada,
para fazer concentrado de sopa, e a carne que não tivesse no guisado não faria
falta. O chapéu branco tinha uns oito centímetros de diâmetro era seco e liso,
e o cogumelo tinha um talo curto.
-
Tenho. É um cogumelo do campo.
-
Então, coma- disse a mãe, fazendo um gesto para que eu o pegasse.
Minha
boca encheu-se de água quando me agachei para colhê-lo da raiz curta. Que
grande compensação, pensei comigo mesma, desdenhosa, enquanto abria a boca para
receber a oferenda. Um aperto férreo segurou meu pulso, como um par de garras,
e deteve a minha mão a poucos centímetros da língua. O rosto de minha mãe ficou
perto do meu, e vi pela primeira vez que seus olhos castanhos claros tinham
parcelas iguais de azul e âmbar para colori-los.
-
Sarah, olhe embaixo do chapéu – disse ela, forçando meu pulso a se virar e
expondo a parte inferior do cogumelo. As lamelas eram brancas, e ele tinha um
anel branco em forma de saia no talo, logo abaixo do chapéu. – Ele se chama anjo da morte. Se você o
comesse, com certeza morreria. Não hoje, talvez não amanhã. Mas, depois de
quatro dias expelindo cada gota de água
do estômago e do traseiro, você daria boas-vindas à morte.
Ela
me soltou, e larguei o cogumelo que tinha na mão, tal como largaria uma tocha
de junco embebido em óleo. Limpei as duas mãos no avental.
-
Os sinais são variados e sutis. Você
precisa examinar com cuidado, não só o tempo da coisa, mas a parte
inferior, onde é comum o veneno se esconder. O cogumelo do campo, quando novo,
tem lamelas cor-de-rosa, que ficam marrons na maturidade. Se não soubesse a
verdade, você assemelharia a parte inferior escura à impureza e a parte clara a
bondade. O morchella pode ser escuro, mas é sempre esburacado, e o falso morchella é escuro, mas liso. Na natureza, o que é marcado e
esburacado pode significar sustento e vida, ao passo que a pele lisa e bonita
pode significar destruição e morte. As pessoas nem sempre são o que parecem,
nem mesmo as que você ama, você tem que examinar de perto, Sarah.”
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