quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

As pessoas são como cogumelos


Trecho do livro A filha da Herege de Kathleen Kent
“Eu saíra muitas vezes com minha mãe para apanhar cogumelos: caçar morchella em maio, nos pomares de maçã silvestre, colher cogumelos gigantes que cresciam em pilhas nos troncos de olmos e freixos, nos meses quentes de verão, e catar bufas-de-lobo nas margens do rio Skug. Mas colher cogumelos era uma tarefa ardilosa. Era preciso saber a diferença entre os saudáveis e os nocivos. Algumas dessas diferenças eram bem pequenas. Um descuido de nada e a morte podia chegar, escondida sob uma coroa leitosa ou uma brânquia arroxeada.
- Sabe o que é isto? – perguntou minha mãe, tirando o chapéu para deixar o cabelo preto solto ao vento.
- Um cogumelo do campo – respondi, tentando parecer o mais desinteressada possível.
- Tem certeza? – insistiu, ao que assenti com a cabeça e tornei a cruzar os braços.
Soltei um suspiro curto e impaciente. Os cogumelos do campo podiam ser comidos assim que tirados do chão. Tinham um forte sabor almiscarado e a carne densa. Podia-se cozinhar mais ou menos uma dúzia deles num caldo de gordura defumada, para fazer concentrado de sopa, e a carne que não tivesse no guisado não faria falta. O chapéu branco tinha uns oito centímetros de diâmetro era seco e liso, e o cogumelo tinha um talo curto.
- Tenho. É um cogumelo do campo.
- Então, coma- disse a mãe, fazendo um gesto para que eu o pegasse.
Minha boca encheu-se de água quando me agachei para colhê-lo da raiz curta. Que grande compensação, pensei comigo mesma, desdenhosa, enquanto abria a boca para receber a oferenda. Um aperto férreo segurou meu pulso, como um par de garras, e deteve a minha mão a poucos centímetros da língua. O rosto de minha mãe ficou perto do meu, e vi pela primeira vez que seus olhos castanhos claros tinham parcelas iguais de azul e âmbar para colori-los.
- Sarah, olhe embaixo do chapéu – disse ela, forçando meu pulso a se virar e expondo a parte inferior do cogumelo. As lamelas eram brancas, e ele tinha um anel branco em forma de saia no talo, logo abaixo do chapéu.  – Ele se chama anjo da morte. Se você o comesse, com certeza morreria. Não hoje, talvez não amanhã. Mas, depois de quatro dias expelindo cada  gota de água do estômago e do traseiro, você daria boas-vindas  à morte.
Ela me soltou, e larguei o cogumelo que tinha na mão, tal como largaria uma tocha de junco embebido em óleo. Limpei as duas mãos no avental.
- Os sinais são variados e sutis. Você  precisa examinar com cuidado, não só o tempo da coisa, mas a parte inferior, onde é comum o veneno se esconder. O cogumelo do campo, quando novo, tem lamelas cor-de-rosa, que ficam marrons na maturidade. Se não soubesse a verdade, você assemelharia a parte inferior escura à impureza e a parte clara a bondade. O morchella pode ser escuro, mas é sempre esburacado, e o falso morchella  é escuro, mas liso. Na natureza, o que é marcado e esburacado pode significar sustento e vida, ao passo que a pele lisa e bonita pode significar destruição e morte. As pessoas nem sempre são o que parecem, nem mesmo as que você ama, você tem que examinar de perto, Sarah.”

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